The New York Times
Simon Romero
Em Uyuni (Bolívia)
Na corrida para criação da próxima geração de carros híbridos ou elétricos, tanto fabricantes de automóveis quanto os governos que buscam reduzir sua dependência do petróleo estrangeiro se vêem diante de um fato sério: quase metade do lítio do mundo, o mineral necessário para impulsionar os veículos, é encontrado na Bolívia - um país que pode não estar disposto a cedê-lo facilmente.
As empresas japonesas e europeias estão ocupadas tentando fechar acordos para explorar o recurso, mas o sentimento nacionalista em relação ao lítio está crescendo rapidamente no governo do presidente Evo Morales, um ardoroso crítico dos Estados Unidos que já nacionalizou os setores de petróleo e gás natural da Bolívia.
* Noah Friedman-Rudovsky/The New York Times
Montes de sal em Salar do Uyuni
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Por ora, o governo fala em controlar rigidamente o lítio e manter os estrangeiros acuados. Aumentando a pressão, os grupos indígenas aqui no remoto deserto de sal onde o mineral se encontra estão buscando uma participação no eventual lucro.
"Nós sabemos que a Bolívia pode se tornar a Arábia Saudita do lítio", disse Francisco Quisbert, 64 anos, o líder da Frutcas, o sindicato dos extratores de sal e produtores de quinua nas margens de Salar do Uyuni, o maior deserto de sal do mundo. "Nós somos pobres, mas não somos camponeses estúpidos. O lítio pode ser da Bolívia, mas também é de nossa propriedade."
A nova Constituição que Morales conseguiu que fosse aprovada no mês passado reforça essas reivindicações. Um de seus artigos poderia dar aos índios o controle sobre os recursos naturais de seu território, fortalecendo sua habilidade de obter concessões das autoridades e empresas privadas, ou mesmo bloquear projetos de mineração.
Nada disso minimiza os esforços dos estrangeiros, incluindo os conglomerados japoneses Mitsubishi e Sumitomo, e um grupo liderado pelo industrial francês Vincent Bolloré. Nos últimos meses, todos os três enviaram representantes a La Paz, a capital, para discutir com o governo Morales o acesso ao lítio, um componente crítico para as baterias que fazem funcionar os carros e outros aparelhos eletrônicos.
"Há lagos de sal no Chile e na Argentina, e um depósito promissor de lítio no Tibete, mas o prêmio está claramente na Bolívia", disse Oji Baba, um executivo da Unidade de Metais Básicos da Mitsubishi, em La Paz. "Se quisermos ser uma força na próxima onda de automóveis e das baterias que os moverão, então temos que estar aqui."
A Mitsubishi não é a única planejando produzir carros usando baterias de íon-lítio. As fabricantes de automóveis americanas em dificuldades estão depositando suas esperanças no lítio. Uma delas é a General Motors, que no próximo ano planeja apresentar seu Volt, um carro usando bateria de íon-lítio juntamente com um motor a gasolina. Nissan, Ford e BMW, entre outras fábricas, possuem projetos semelhantes.
A demanda por lítio, há muito usado em pequenas quantidades em medicamentos estabilizadores do humor e armas termonucleares, aumentou à medida que os fabricantes de baterias para BlackBerrys e outros dispositivos eletrônicos passaram a usar o mineral. Mas a indústria automotiva possui o maior potencial inexplorado para o lítio, dizem os analistas. Como ele pesa menos que o níquel, que também é usado em baterias, ele permitiria aos carros elétricos armazenar mais energia e percorrerem distâncias maiores.
Com os governos, incluindo o de Obama, buscando aumentar a eficiência dos combustíveis e reduzir a dependência de petróleo importado, as empresas privadas estão concentrando sua atenção neste canto desolado dos Andes, onde os índios de língua quéchua subsistem do que resta de um antigo mar interno, extraindo o sal que carregam em caravanas de lhamas.
O Levantamento Geológico dos Estados Unidos diz que 5,4 milhões de toneladas de lítio poderiam potencialmente ser extraídas na Bolívia, em comparação a 3 milhões no Chile, 1,1 milhão na China e apenas 410 mil nos Estados Unidos. Geólogos independentes estimam que a Bolívia pode até ter mais lítio em Uyuni e seus outros desertos de sal, apesar das altitudes elevadas e a qualidade das reservas poderem dificultar o acesso ao mineral.
Apesar das estimativas variarem enormemente, alguns geólogos dizem que os fabricantes de carros elétricos poderiam explorar os depósitos de lítio da Bolívia por muitas décadas.
Mas em meio a tamanho potencial, os estrangeiros que buscam explorar os depósitos de lítio bolivianos devem lidar com as políticas de Morales, 49 anos, que já entrou repetidas vezes em choque com investidores americanos, europeus e até mesmo sul-americanos.
Morales chocou o vizinho Brasil, com que mantém termos amistosos, ao nacionalizar os projetos de gás natural do país em 2006 e buscar um forte aumento dos preços. Ele realizou sua mais recente nacionalização antes da votação da Constituição, enviando soldados para ocuparem as operações da gigante britânica de petróleo BP.
Na sede em La Paz da Comibol, a agência estatal que supervisiona os projetos de mineração, a visão de Morales de combinar socialismo com a defesa dos índios bolivianos está em exposição de forma proeminente. Cópias do "Cambio", um novo jornal estatal, estão disponíveis no saguão, enquanto pôsteres de Che Guevara, o ícone esquerdista morto na Bolívia em 1967, estão presentes na entrada dos escritórios da Comibol.
"O modelo imperialista anterior de exploração de nossos recursos naturais nunca mais se repetirá na Bolívia", disse Saúl Villegas, chefe da divisão da Comibol que supervisiona a extração de lítio. "Talvez haja a possibilidade dos estrangeiros aceitarem ser parceiros minoritários, ou melhor, nossos clientes."
Para isso, a Comibol está investindo cerca de US$ 6 milhões em uma pequena usina perto da aldeia de Río Grande, na margem do Salar do Uyuni, onde espera iniciar o primeiro esforço em escala industrial da Bolívia para extrair o lítio da paisagem branca, semelhante à lunar, e processá-lo em carbonato para as baterias.
Os técnicos primeiro precisam trazer a salmoura, a água saturada de sal encontrada nas profundezas sob o deserto de sal, para a superfície, onde ela é evaporada em tanques para expor o lítio. Morales quer a usina concluída até o final deste ano.
Os operários daqui estavam em um frenesi para cumprir a meta durante o final de janeiro, trabalhando sob o sol ao redor de paredes de tijolos inacabadas. Durante uma refeição de guisado de lhama e uma Pepsi, Marcelo Castro, 48 anos, o supervisor do projeto, explicou que além do processamento de lítio, a usina tinha outro objetivo.
"É claro, o lítio é o mineral que nos conduzirá para a era pós-petróleo", disse Castro. "Mas para podermos seguir por essa estrada, nós temos que elevar a consciência revolucionária de nosso povo, começando pelo piso desta fábrica."
Além da minúscula usina, os analistas de lítio dizem que a Bolívia, um dos países menos desenvolvidos da América Latina, precisa investir muito mais para iniciar a produção do carbonato. Mas com a desaceleração do crescimento econômico e a queda nos preços do petróleo limitando a ajuda de sua principal benfeitora, a Venezuela, não se sabe quanto a Bolívia será capaz de fazer por conta própria.
Ainda assim, apesar de Morales estar exercendo um maior controle sobre a economia e assumindo os projetos de petróleo e gás, analistas otimistas do setor apontam que ele permitiu que algumas empresas estrangeiras permanecessem no país como parceiras minoritárias.
A exploração de lítio na Bolívia tem sua própria história de altos e baixos. No início dos anos 90, a oposição nacionalista supostamente liderada por Gonzalo Sánchez de Lozada, um rico detentor de concessões de mineração que posteriormente se tornou presidente da Bolívia, minou um plano da Lithco, uma empresa americana, de explorar os depósitos de lítio daqui.
Essa história, somada às atuais tensões de Morales com Washington, podem ajudar a explicar por que as empresas americanas parecem estar de lado enquanto outras buscam acordos de lítio aqui. Sánchez de Lozada no final foi forçado a renunciar como presidente em 2003, após Morales ter liderado protestos contra seus esforços para exportar gás natural com a ajuda de capital estrangeiro.
Enquanto a Bolívia estuda como explorar seu lítio, países com reservas menores estão aumentando a produção. A China despontou como maior produtora de lítio, explorando reservas encontradas em um deserto de sal tibetano.
Mas geólogos e economistas estão debatendo ferozmente se as reservas de lítio fora da Bolívia são suficientes para atender a demanda global crescente. Keith Evans, um geólogo da Califórnia, argumenta que os recursos de lítio acessíveis fora da Bolívia são significativamente maiores do que as estimativas do Levantamento Geológico dos Estados Unidos.
Juan Carlos Zuleta, um economista em La Paz, disse: "Nós temos as reservas de lítio mais magníficas do planeta, mas se não entrarmos na corrida agora, nós perderemos esta chance. O mercado encontrará outras soluções para as necessidades de bateria do mundo".
No deserto de sal de Uyuni, esse debate parece remoto para aqueles que ainda trabalham da mesma forma que seus ancestrais, raspando o sal do solo em pilhas em formato de cone que se alinham no horizonte como uma miragem geométrica. O lítio encontrado abaixo da superfície deste deserto parece ainda mais remoto para estes extratores de sal do século 21.
"Eu ouvi falar do lítio, mas só espero que possa criar trabalho para nós", disse Pedro Camata, 19 anos, com seu rosto protegido do sol inclemente por uma máscara de esqui e óculos escuros baratos cobrindo seus olhos. "Uma pessoa sem trabalho aqui está morta."
Tradução: George El Khouri Andolfato